Ao longo do meu percurso como psicólogo clínico e da saúde, tornou-se claro que a saúde mental não pode nunca ser pensada de forma isolada da realidade sócio-cultural em que cada pessoa vive. Não infrequentemente, o sofrimento psicológico nasce do peso do estigma, da exclusão e da falta de representatividade. Foi a consciência desta ligação entre o individual e o coletivo que me levou a ampliar o meu trabalho para além do consultório, assumindo também o ativismo como espaço de cuidado e transformação. Se, por um lado, a Psicologia me permite apoiar cada pessoa na reconstrução do seu mundo interno, por outro, o ativismo oferece a possibilidade de intervir no espaço público, dando voz, memória e dignidade às comunidades que historicamente vêm sendo silenciadas – como é o caso da comunidade LGBTQIAP+.
O meu primeiro contributo para o trabalho de ativismo pela defesa e promoção dos direitos LGBTQIAP+ aconteceu em 2013, quando tive a honra de coorganizar e de assumir o papel de porta-voz da primeira Marcha pelos Direitos LGBT de Braga. Este momento pioneiro não foi apenas um ato público de reivindicação, mas também um marco simbólico: o início de um percurso de compromisso político, comunitário e cultural com a visibilidade e a dignidade das pessoas LGBTQIAP+.
Desde então, tenho vindo a desenvolver vários projetos e trabalhos de natureza interseccional, explorando as fronteiras entre psicologia, arte e erotismo, com o propósito de dar corpo e voz às questões LGBTQIAP+. Estas iniciativas procuram sempre criar espaços de representação, reconhecimento e memória, mas também de transformação social, onde as identidades queer possam ser pensadas e vividas em toda a sua riqueza.
Entre os projetos mais relevantes destaca-se o Arquivo Queer de Braga, uma plataforma digital dedicada ao resgate, organização e preservação da memória LGBTQI+ da cidade e da região. Este arquivo constitui-se como um repositório vivo de histórias, testemunhos, obras de arte, ensaios, entrevistas, reportagens, contos, artigos e outros documentos que registam a experiência queer bracarense em diferentes épocas. A recolha é feita de forma colaborativa, apelando à participação de todas as pessoas que desejem contribuir com fragmentos da sua própria história ou da história da comunidade.
O contributo de pessoas mais velhas, com a sua experiência e memória, revela-se particularmente precioso, permitindo preservar uma herança coletiva que, tantas vezes, foi silenciada ou invisibilizada. Ao mesmo tempo, o projeto está aberto às gerações mais novas, de modo a criar uma ponte intergeracional de transmissão de experiências, aprendizagens e resistências. A confidencialidade e a proteção da identidade de quem partilha memórias estão sempre asseguradas, sendo negociado com cada participante o nível de exposição da sua narrativa.
À medida que novos contributos chegam, o Arquivo é atualizado e enriquecido, transformando-se num organismo vivo, em constante expansão. Mais do que um registo, trata-se de um gesto político: afirmar que existimos, resistimos e fazemos parte da história da cidade e da cultura.
Paralelamente, tenho tido o prazer de colaborar pontualmente com a revista dezanove, uma das publicações mais emblemáticas ligadas à temática LGBTQI+ em Portugal. Através da escrita de artigos, participei no debate público e na promoção de temas relevantes para a comunidade, reforçando a importância da comunicação social enquanto espaço de cidadania e transformação.
Hoje, olhando para este percurso, reconheço nele uma linha contínua: da marcha que rompeu o silêncio na rua, ao arquivo que preserva memórias para o futuro, passando pela escrita que amplia vozes no espaço público. Em todos estes contextos, permanece o mesmo propósito: dar visibilidade, dignidade e sentido histórico às vidas LGBTQIAP+, defendendo a sua expressão plena e o seu direito a existir sem medo.



