Para celebrar o Dia Mundial da Saúde este ano, fiz uma parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade do Minho. Juntos, desenvolvemos e divulgamos uma série de cartazes informativos, com dados atuais e mensagens essenciais sobre estratégias de proteção da saúde mental. O objetivo desta iniciativa foi promover literacia em saúde mental, sensibilizar para a importância do bem-estar psicológico e reforçar a ideia de que cuidar da mente é tão fundamental quanto cuidar do corpo. Através desta colaboração, esperamos contribuir para uma comunidade mais informada, consciente e preparada para enfrentar os desafios emocionais do quotidiano. Porque falar de saúde mental é um passo essencial para transformar vidas, e nenhum passo é dado sozinho.
A: Entre o cuidado e o conflito: por que a bondade e a empatia importam para a saúde mental em 2025
Vivemos tempos de polarização profunda, guerras, crises climáticas, insegurança económica e ruturas sociais – um ambiente que não só testa instituições, mas fragiliza corações. Nesse contexto, a saúde mental coletiva sofre constantemente tensão. A pressão por performance, a exposição permanente às redes sociais e os efeitos de discursos públicos agressivos intensificam ansiedade, esgotamento e solidão. Mas há um contraponto fundamental: a bondade e a empatia não são ‘luxos morais’ – são forças estruturais para sustentar o tecido psicológico das comunidades.
1. O desgaste político e emocional
Quando ideologias, discursos e identidades se chocam, estamos à mercê de emoções extremadas: raiva, desconfiança, medo do outro. Estudos recentes mostram que a polarização política pode afetar diretamente o bem-estar mental, gerando stress crónico e diminuindo a capacidade de diálogo e regulação emocional. Além disso, segundo dados colhidos em 2025, cerca de 75 % dos clientes de uma plataforma de saúde mental relataram sentir que o clima político agrava os seus sintomas – e muitos evitam conversas políticas por medo do conflito. Neste cenário, a bondade e a empatia emergem como antídotos: permitem que a política não devore a humanidade, garantindo que, mesmo em desacordo, possamos preservar a dignidade uns dos outros.
2. Bondade e empatia como práticas psicológicas
A bondade – expressa em pequenas ações de gentileza, sem expectativa de retorno – tem o poder de modular o nosso sistema emocional: liberta oxitocina, diminui o stress e reforça o sentido de conexão. Já a empatia implica perceber o sofrimento do outro, entrar minimamente no seu mundo interno, sem se anular na sua individualidade. Quando escolhemos responder com bondade e empatia ao invés de julgamento ou retraimento, estamos: a regular o nosso próprio sistema nervoso (menos ativação defensiva); a criar pontes de segurança para quem sofre; e a resistir ao cinismo que se instala em tempos de conflito. Esta prática, entenda-se, exige limites. A empatia sem fronteiras pode levar à saturação emocional (fadiga empática). Saber dizer “sim” e “não” compõe a maturidade dessa prática.
3. Saúde mental sustentável é comunitária
Não há saúde mental individual preservada em sociedades deterioradas. O sofrimento de uns reverbera nos circuitos sociais: quando pessoas desconfiam umas das outras, o capital relacional dissolve-se, aumentando o isolamento e piorando patologias que estejam já presentes. Bondade e empatia funcionam como “cola emocional” – especialmente em comunidades, instituições e ambientes académicos ou profissionais. Quando as relações humanas são nutridas, há menor ansiedade existencial, mais resiliência coletiva e menos silêncios penosos.
4. Caminhos práticos: como cultivar bondade e empatia
Cultivar bondade e empatia não exige feitos grandiosos; pode começar em pequenos gestos capazes de transformar as relações do dia-a-dia. Um simples olhar nos olhos, uma escuta atenta sem interrupções, ou a pergunta genuína “como estás?” já funcionam como micro gestos de cuidado, promotores da proximidade.
Para além destes gestos imediatos, é essencial exercitar práticas de perspective taking – colocar-se no lugar do outro, tentar compreender as suas emoções e motivações mesmo em situações de conflito. Em tempos de grande polarização, como nos debates políticos, ou em encontros marcados pela diferença de identidade e cultura, esta capacidade de olhar através da perspetiva alheia ajuda a reduzir a hostilidade e abre espaço para o diálogo.
Também os contextos institucionais podem e devem ser espaços férteis de empatia. Universidades, clínicas e associações podem integrar atos de gentileza e cuidado de forma criativa e simbólica, como a iniciativa do “Correio Solidário”. Estes momentos não apenas humanizam as instituições, como também recordam que o bem-estar individual é inseparável do bem-estar coletivo.
Outro caminho fundamental é a formação em literacia emocional desde cedo. Ao ser ensinada em escolas e integrada em serviços públicos, a empatia deixa de ser uma competência rara e passa a ser reconhecida como parte integrante da linguagem social. Com isso, crianças e jovens aprendem a identificar emoções, gerir conflitos e expressar-se de forma saudável, criando gerações mais conscientes e solidárias.
Por fim, a promoção da bondade e da empatia não pode depender apenas de escolhas individuais: precisa de ser sustentada por políticas públicas que valorizem o apoio psicoemocional comunitário. É necessário que governos e instituições reforcem programas que incentivem redes de apoio, espaços de partilha e projetos coletivos, para que o cuidado não seja vivido como responsabilidade isolada de cada pessoa, mas como uma prioridade social. Assim, da intimidade de um gesto quotidiano às grandes linhas de ação pública, a bondade e a empatia podem tornar-se motores de uma cultura de saúde mental mais robusta, inclusiva e humana.
Conclusão
Em 2025, a violência discursiva, a ansiedade coletiva e a fragmentação social testam a nossa capacidade de manter a humanidade no centro. A bondade e a empatia não são meras virtudes: são práticas reparadoras. Cultivá-las não é resignar-se ao mundanismo, mas resistir – resistir à barbárie emocional, ao isolamento e ao esquecimento de que cada ser humano é uma paisagem de dor e esperança.
Para a saúde mental individual florescer, é necessário que floresça a cultura da gentileza – nas relações íntimas, nas instituições e nas políticas. Só assim podemos desconstruir trincheiras emocionais e reconstruir pontes de escuta, dignidade e reconhecimento mútuo.
B: Autocuidados: O Segredo da Auto-Estima:
Quando algo é valioso para nós, cuidamos dele. Se é uma pessoa especial, damos-lhe atenção; se é um projeto importante, dedicamos-lhe energia; se é um objeto frágil, protegemo-lo. O mesmo deveria acontecer connosco: quando nos vemos com valor, cuidamos de nós. Mas… e quando a autoestima é baixa? Como podemos sentir-nos valiosos/as?
A autoestima não nasce do nada: treina-se, pratica-se e fortalece-se. E existe um “truque alquímico” dentro de nós: não é só o valor que gera cuidado, também o ato de cuidar aumenta o nosso valor. Ou seja, quando nos tratamos com carinho e prioridade, começamos a sentir-nos mais importantes.
Como dizia Saint-Exupéry: “Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante”.
Assim acontece connosco: ao cuidarmos de nós, estamos a dizer ao inconsciente que temos valor.
O que são Autocuidados?
Chamamos autocuidados às ações, práticas e estratégias conscientes que adotamos diariamente para fortalecer o bem-estar, prevenir doenças e responder às necessidades do nosso Self – o nosso “eu” mais profundo e autêntico.
Quando dependemos apenas dos outros para sermos cuidados, ficamos vulneráveis a algo que não controlamos, o que aumenta a ansiedade e a imprevisibilidade. Pelo contrário, quando assumimos nós próprios essa responsabilidade, reforçamo-nos contra dependências externas. Deixamos de viver num registo ego-cêntrico (à procura constante de validação fora de nós) e passamos a um registo centrado no Self (orientado para a autenticidade e o autocuidado).
Praticar autocuidados significa identificar necessidades e satisfazê-las, colocando-nos como prioridade. Ao investir em nós, fortalecemos a ligação com o Self. E quanto mais cuidamos de nós, mais enviamos ao inconsciente a mensagem de que somos valiosos. Esse processo interno funciona como uma “central telefónica” que alimenta o nosso reservatório de autoestima, enchendo-o pouco a pouco.
Na prática clínica, o conceito de autocuidados é uma ferramenta poderosa para ajudar a organizar a energia pessoal e direcioná-la para a resolução das dificuldades e problemas do dia a dia.
Existem várias formas de autocuidado — físico, emocional, intelectual, social, profissional, financeiro e espiritual. Cada uma delas contribui para uma vida mais equilibrada e para uma autoestima mais sólida.
Tipos de Autocuidados:
AUTOCUIDADOS FÍSICOS: diz respeito ao atendimento das necessidades físicas do corpo: alimentação (variedade, qualidade nutricional, comida gratificante), sono (quantidade e qualidade), ativação física (ex.: exercício, caminhada ao ar livre, desporto, etc.; mas também o descanso: abrandar o ritmo e fazer pausas ao longo do seu dia, investir num banho demorado e relaxante), higiene, estética, saúde médica, incluindo a saúde sexual (estará na altura de um check-up?);
AUTOCUIDADOS EMOCIONAIS: são comportamentos que nos ajudam a lidar melhor com pensamentos e sentimentos. Implicam permitir sentir e pensar, sem censura. Não existem emoções “boas” ou “más”: todas são válidas e devem ser reconhecidas, processadas e expressas.
Podemos praticá-los de várias formas: um diário das emoções – escrever o que sente ajuda a dar nome e sentido às emoções; praticar a aceitação sem julgamento – falar com alguém de confiança, escrever, ou expressar-se através da arte (pintura, dança, canto); cultivar a autocompaixão – ser tolerante consigo, perdoar-se e não exigir demasiado de si; pedir ajuda – recorrer a amigos ou a profissionais quando necessário; enfrentar em vez de evitar – desenvolver formas mais saudáveis de lidar com emoções, substituindo o evitamento pelo confronto.
Encarar emoções nem sempre é fácil. Às vezes é como tomar um xarope amargo: causa desconforto no momento, mas traz cura e alívio depois. As emoções emergem de forma instintiva – não podemos controlá-las, mas podemos decidir como reagir: evitá-las ou enfrentá-las.
Quem tende a ignorar ou invalidar o que sente (criticando-se ou censurando-se) acaba por acumular sofrimento, que muitas vezes se transforma em sintomas físicos ou psicológicos. Como lembra Eduardo Sá: “só deprime quem não se permite entristecer”.
As emoções são uma espécie de bússola: orientam-nos na tomada de decisões; dão motivação para mudar; revelam necessidades fundamentais (como segurança, acolhimento ou proximidade).
Quando não são reconhecidas, podem gerar comportamentos disfuncionais (como explosões de raiva ou ansiedade elevada) e dificultar relações saudáveis.
Aprender a descrever, expressar e regular emoções, reconhecer o que os outros sentem e gerir relações é parte do desenvolvimento da Inteligência Emocional – uma competência que protege a saúde mental e promove o bem-estar.
AUTOCUIDADOS INTELECTIVOS: consistem na estimulação mental, visando o desenvolvimento do pensamento crítico e da criatividade. Eis algumas formas de se cuidar: (1) ler um livro novo, (2) fazer um curso/formação/workshop, (3) trocar ideias com outra pessoa, com argumentação (intervisão por exemplo), (4) ouvir podcasts.
AUTOCUIDADOS SOCIAIS: dizem respeito à socialização com o outro, e envolvem mantermos uma rede de suporte e apoio; permitirmo-nos a relações positivas e harmoniosas; afastar pessoas tóxicas; sentirmo-nos bem conosco mesmos/as e com os que nos rodeiam; demonstrar afeto. Como podemos praticá-lo? (1) rir com um amigo; (2) fazer voluntariado; (3) ligar para um amigo ou familiar e conversar sobre como estão ou assuntos variados que façam sentido; (4) aceitar um convite para uma festa; (5) criar um evento e convidar os demais; (6) reencontrar velhos amigos; (7) identificar e afastar relações tóxicas; (8) dizer ‘não’.
AUTOCUIDADOS PROFISSIONAIS: cuidar de si mesmo/a não é apenas uma questão de bem-estar pessoal; também impacta diretamente a produtividade e desempenho profissionais. Quando estamos física e emocionalmente saudáveis, temos mais energia, concentração e motivação para enfrentar os desafios do trabalho. Aqui falamos da importância de: (1) gerir o tempo de forma adequada; (2) envolver-se num clima de aprendizagem e evolução; e (3) desenvolver/contribuir para um bom ambiente de trabalho.
AUTOCUIDADOS FINANCEIROS: diz respeito a ter uma relação saudável com o dinheiro. Esta relação está diretamente ligada à estabilidade que quer para a sua vida. Como praticar? (1) Não faça compras por impulso, nem tudo que se gosta e faz bem deve de ser comprado; (2) Organize-se e faça um balanço mensal das suas despesas essenciais, cortando no que for acessório; (3) Pense no seu futuro e faça o seu mealheiro (1€ por dia são 365€ por ano);
AUTOCUIDADOS ESPIRITUAIS: embora seja muitas vezes confundido com religião, não se trata disso. Envolve sim viver no momento presente, onde se conecta consigo mesmo/a e com emoções/sentimentos de gratidão, paz, amor e propósito. Alguns exemplos: (1) atenção plena/mindfullness; (2) meditação; (3) fazer um diário de gratidão; (4) passar tempo na natureza; (5) apreciar uma paisagem que o/a inspire; (6) refletir sobre os seus objetivos de vida.
Recordar que cada pessoa tem vidas diferentes, ritmos diferentes, interesses diferentes e passa por desafios diferentes. As estratégias de autocuidado de umas pessoas não têm de ser as de outras. O autocuidado é um processo individual.
E agora… mãos à obra!
Conhecer os diferentes tipos de autocuidados é apenas o primeiro passo. O mais importante é praticá-los no dia a dia, de forma simples e adaptada a cada pessoa. Não existem fórmulas universais: cada um descobre o que lhe faz bem, no seu tempo e ao seu ritmo. Para o/a ajudar a pôr em prática estas ideias, criámos o Bingo dos Autocuidados. O objetivo é experimentar, descobrir novas formas de cuidar de si e, acima de tudo, valorizar-se através de gestos concretos. Porque cada gesto de autocuidado é uma mensagem clara: “Eu tenho valor e mereço cuidar de mim”.
O Bingo dos Autocuidados

Tal como num cartão de bingo tradicional, cada casa tem um espaço para preencher – mas, em vez de números, encontrará o nome de diferentes autocuidados.
A ideia é simples: ao olhar para cada casa, lembra-se de pequenos gestos que pode fazer por si, todos os dias.
Não há pressão nem competição: o objetivo é apenas orientar-se para o que lhe faz bem, escolher uma prática, pô-la em ação e celebrar cada conquista.
O Bingo dos Autocuidados é, no fundo, um cartão de bem-estar: um guia visual que recorda que cuidar de si é essencial para a sua saúde mental e para a sua qualidade de vida.



